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Seminário debate racismo institucional na polícia

'É ensinado que negro na vila tem que ser abordado'

A Ugeirm, sindicato que representa os agentes da Polícia Civil no Rio Grande do Sul, promove na próxima quarta-feira (30), em Porto Alegre, a primeira edição do Seminário Racismo Institucional - Desafios e Perspectivas. O evento, que marca o mês da Consciência Negra, tem o objetivo de debater as práticas de discriminação racial que estão impregnadas na cultura das forças de segurança. As palestras ocorrem no auditório do Sintrajufe (Marcilio Dias, 660) das 9h às 18h.

Diretora de Assuntos Étnicos Raciais da Ugeirm, a comissária de polícia aposentada Ana Janete explica que a ideia para o seminário tem origem em rodas de conversas que ocorriam na Delegacia da Mulher no final da década passada sobre o tema e das quais ela e outros membros da diretoria participavam.

Ao se aposentar, ela assumiu o comando da diretoria, criada em 2021, e decidiu promover um evento para debater o racismo institucional que alcançasse um público maior e tivesse a participação de colegas de outras áreas da Polícia Civil e das demais forças de segurança. "O racismo estrutural permeia as várias faces da polícia", destaca.

Integrante da Comissão Organizadora do Seminário, Sandra Marques avalia que a diferença do evento para as antigas rodas de conversa é justamente não ser um encontro em que apenas pessoas negras conversem entre si. "Éramos nós falando para nós mesmo das dificuldades que a gente tinha e das práticas diárias", pontua.

Uma das principais palestras do evento será ministrada justamente por dois policiais militares. Prevista para as 13h30, a palestra Negra Abordagem irá tratar sobre como a cultural policial permite diferenças de abordagens para negros e brancos.

"É ensinado dentro da academia da Brigada Militar que negro na vila, na esquina, tem que ser abordado. Não importa o que está fazendo, pode ser adolescentes conversando, dando risada, porque não tem um espaço coletivo para eles estarem, porque não tem uma política de inclusão extra curricular. Porque se o jovem negro, no Ensino Médio, não conseguir um estágio, ele com certeza vai estar na rua. E, se estiver na rua de tardezinha ou de noite, ele com certeza vai ser abordado", diz Sandra.

Ela pontua que muitos ideias abordadas neste seminário eram temas que os próprios policiais negros já discutiam com seus filhos em casa. "Eu lembro que o Major Flores, que vai estar palestrando, narrou que, na primeira viagem que ele fez com os filhos para o Rio de Janeiro, orientou as crianças sobre como se portar no caso de ter uma abordagem na praia", diz.

No seu próprio caso, conta que sempre orientou o filho, já falecido, a não sair na rua usando capuz. "Porque, se acontece um ato infracional com um adolescente, o primeiro que passar eles pegam".

Ana Janete destaca que o racismo na polícia já começa na forma como os agentes de segurança olham para a população negra.

"Ninguém que vem para a polícia é rico, mas tu tem a dificuldade de olhar o outro. As pessoas ainda acreditam que não é racismo. A resistência vem de uma cultura, em que tu acredita que, como tu é policial, tu é diferente do resto das pessoas e aí tu acha que tem que abordar diferente. E essa abordagem diferente para os negros é cultural".

Sandra acrescenta ainda que, quando o negro ascende na carreira, ele passa por um processo de "branqueamento" aos olhos dos colegas. "Eu já ouvi, 'Sandra, mas tu nem é tão escura'. Eles vão nos branqueando por aquilo que nós vamos acumulando".

Debate não apenas entre negros

Ana Janete diz que o seminário tem o objetivo de ser um "marco" na história da polícia gaúcha e espera que ele possa ser realizados todos os anos. "A gente tem que discutir isso todos os anos e discutir não só entre negros, mas também com os brancos. A gente sabe que tem gente sensível na polícia, mas a grande maioria não está sensível, e é a mesma maioria que está ingressando na polícia, que ainda não está pronta e sensível para essa discussão. É toda uma construção que vamos ter que fazer".

Sandra também ressalta a importância de que os temas que há muito tempo são debatidos entre o movimento negro, e também por policiais negros, precisam ser debatidos também pelos brancos, dentro e fora das forças de segurança.

"Para eles entenderem o que são as nossas dores e os nossos sentimentos, porque muitas vezes o racismo é tratado como 'mimimi', uma coisa de menor importância. Eles acham que, porque nós estamos no mesmo espaço de poder e ascendemos por meio de um concurso público, somos iguais. Mas é na aparência, porque, na verdade, eles não nos tratam de forma igual", diz.

Para além da diferença de tratamento de policiais com pessoas negras e brancas, o seminário também debaterá problemas internos das forças. "Nas promoções que são por merecimento, por exemplo, nós somos um número muito pequeno de negros. E as mulheres negras são um grupo ainda menor", diz Sandra.

Ela também destaca que, hoje, não há nenhum negro oriundo das carreiras de agentes ministrando aulas na Academia de Polícia Civil (Acadepol). O único professor negro da Acadepol atualmente é um delegado.

Além de fomentar o debate sobre o racismo institucional nas forças de segurança, o seminário deve tirar uma pauta a ser entregue para o comando da Polícia Civil. Entre os pedidos estará a inclusão de uma disciplina que fale do racismo na Acadepol e que mais negros ministrem aulas na academia.

O seminário é aberto ao público, mediante a inscrição prévia.


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