Mineração em Lavras do Sul
MPF obtém vitória para povos e comunidades tradicionais do Pampa
O Tribunal Federal da 4ª Região concedeu efeito suspensivo a recurso interposto pelo Ministério Público Federal em Bagé, reconhecendo a sua legitimidade ativa e a competência da Justiça Federal para julgar a ação na qual o MPF sustenta a existência de diversos vícios no processo de licenciamento do Projeto Três Estradas, causando graves prejuízos ao meio ambiente e às comunidades e povos tradicionais do Pampa.
A Desembargadora Relatora Vânia Hack de Almeida entendeu que o interesse do MPF na causa é evidente, e tornou sem efeito a decisão de primeira instância que havia declinado a competência para a Justiça Estadual, devendo ser mantido o processamento e julgamento do feito na 1ª Vara Federal de Bagé/RS, inclusive do pedido liminar de suspensão do licenciamento ambiental.
A empresa Águia Resources pretende minerar fosfato em uma área considerada uma das mais preservadas do bioma Pampa e território de vida e de trabalho de centenas de famílias e comunidades que dependem da conservação da natureza para a produção de alimentos e manutenção dos modos de vida tradicionais.
O Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa encaminhou, em 2020, ao Ministério Público Federal um parecer sobre o laudo pericial antropológico requerido pela Procuradoria da República no município de Bagé (RS) para verificar se os pecuaristas familiares que vivem na área de influência do projeto de mineração Fosfato Três Estradas, da mineradora Águia, podem ser caracterizados como integrantes de uma comunidade tradicional. O Comitê de Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa é composto por representantes de diferentes identidades e regiões do bioma, reunindo integrantes de comunidades quilombolas, pescadores artesanais, povo pomerano, povo cigano, povo de Terreiro e pecuaristas familiares.
O projeto Três Estradas, da empresa Águia Metais, associada à mineradora australiana Águia Resources Limited, prevê a extração de fosfato a céu aberto em Lavras do Sul, por meio de práticas de perfuração e detonação, que afetariam diretamente a vida e a produção dessas comunidades de pecuaristas familiares. Segundo a empresa, o projeto pretende "extrair, beneficiar e comercializar o minério de fosfato para produção de matéria prima para a indústria de fertilizantes e de corretivo agrícola". O tempo previsto de vida útil da mina será de 15,5 anos, com possibilidade de ampliação para 22 anos. Após ser extraído na região, o fosfato concentrado será levado por caminhões até Rio Grande, onde será processado em uma planta industrial próxima ao porto. Segundo a empresa, o fosfato produzido abastecerá fundamentalmente o mercado local do sul do país.
O laudo, assinado por Elaine Teixeira de Amorim, analista do Ministério Público da União (MPU) e integrante da Assessoria Nacional de Perícia em Antropologia, avalia que os pecuaristas familiares da área de influência do projeto de mineração "apresentam características socioculturais condizentes com o conceito de povos e comunidades tradicionais". Essas famílias, aponta o laudo, "constituem um grupo culturalmente diferenciado, ocupam e usam a terra e os recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social e econômica, e utilizam conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição".
Essa identidade, acrescenta o laudo pericial, é inseparável da biodiversidade da região, uma vez que "a cultura e o estilo de vida pecuarista familiar estão intrinsecamente associados à experiência coletiva de habitar os campos nativos do Pampa gaúcho".
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