SÃO GABRIEL WEATHER

João Eichbaum

Gilmar e o direito penal

Com a cara enfarruscada e a voz tinindo numa entonação de cólera, incompatível com a serenidade exigida pelo art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura, Gilmar Mendes evita que os ministros se entreguem ao cabeceio do sono provocado pela modorra das sessões do STF. Mas não é por isso que ele se destaca. Seu fraco é a mão aberta nos habeas corpus.
Para explicar essa magnanimidade, ele se saiu com essa, em entrevista ao Correio Brasiliense: "ainda esses dias nós demos um habeas corpus num caso reincidente de uma pessoa que tinha furtado algumas moedas no valor de R$ 4,15. Veja: isso acaba chegando aqui. Uma vez, conversando com uma colega de vocês e ela disse por que vocês dão habeas corpus para ricos? Respondi que damos habeas corpus para ricos e pobres, mas vocês, jornalistas, só se interessam por ricos. Era uma brincadeira obviamente, mas é que o habeas corpus do rico chama a atenção. E as prisões hoje são home office do crime. Você leva uma pessoa que roubou uma bala e ela vira soldado do crime organizado. Temos de pensar a segurança de maneira holística."
Não se sabe em que Faculdade de Direito Gilmar Mendes adquiriu seu diploma. Mas uma coisa é certa:  não lhe ministraram lições rudimentares de Direito Penal. Não lhe ensinaram que a finalidade da pena é aquela estabelecida inequivocamente no ordenamento jurídico que a consagra.
 A primeira pena de que se tem notícia provém da mitologia cristã. Adão e Eva, pelo pecado da desobediência sofreram o desterro, que implicou o despojamento da felicidade, da vida boa no paraíso e a danação do homem a comer o pão com o suor de seu rosto. A mais conhecida, depois dessa, foi a pena da Lei do Talião: olho por olho, dente por dente.
"O malfeito merece castigo" é o refrão popular que há séculos ocupa a boca do povo. Mas os teóricos do Direito, construindo na sua desocupada imaginação a ideia de que as criaturas humanas são meros "anjos decaídos", querem mudar o criminoso através de medidas que "o recuperem para a sociedade".
Várias teorias se ocupam da pena. Mas nenhuma delas desenha a ideia de Gilmar Mendes, atrelando-a à "segurança". Em primeiro lugar, a preservação da segurança não é da alçada do Judiciário. Em segundo lugar, não é soltando criminosos, seja qual for o crime cometido, que se garante a "segurança". Em terceiro lugar, as finalidades da pena estão no artigo 59 do Código Penal Brasileiro: "reprovação e  prevenção do crime". A "reprovação" não passa de um eufemismo mal arranjado para punição ou castigo. E a "prevenção" é pura conversa para boi dormir, porque ela perde completamente o sentido no texto. Não haveria "prevenção" senão não houvesse punição ou castigo.
A opinião de Gilmar Mendes passa longe da lei. E os ricos soltos por ele não "roubaram só uma bala". Então, para recusar seu título de "libertador da América", deveria ele consultar a lei e os sábios.

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